O Distritão é mesmo tão ruim?

Resolvi compartilhar aqui no Blog esse estudo que recebi do meu colega, Deputado Federal Leonardo Picciani, de autoria do Diretor de Mídias Digitais da TV Globo, Erick Bretas. Vale para reflexão e qualificar o debate sobre a Reforma Política que estamos discutindo no Congresso Nacional.

Vamos lá:

“Essa semana a Comissão da Reforma Política aprovou em primeira votação a regra que institui o chamado distritão nas eleições para deputado federal. Muita gente que respeito fez uma avaliação negativa desse modelo. O distritão seria, na opinião desses analistas, responsável por reduzir o grau de renovação na Câmara, privilegiando os candidatos mais conhecidos e tornando a campanha mais personalista, com menos ênfase nos programas dos partidos.

Como eu acho o atual sistema proporcional muito ruim, resolvi fazer um tira-teima por meio de um exercício simples: testei o que teria acontecido com os deputados federais eleitos em 2014 nos quatro maiores colégios eleitorais do país (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia) caso o distritão já estivesse valendo naquela eleição.

Antes de apresentar os resultados, vamos entender a diferença entre os dois modelos.

No SISTEMA PROPORCIONAL, atualmente em vigor, os eleitores podem votar nos candidatos ou na legenda do partido. Os partidos, por sua vez, podem participar da disputa sozinhos ou em coligação. Isso entendido, vamos à regra da eleição proporcional passo a passo.

Passo 1: Quando os votos de um estado são totalizados, divide-se o número total de votos válidos pela quantidade de cadeiras atribuídas àquele estado (São Paulo tem 70, Minas tem 53, Rio tem 46, Bahia tem 39 e assim por diante). Chega-se, então, ao quociente eleitoral. Por exemplo: se São Paulo teve 21 milhões de votos válidos, o quociente eleitoral é 21 milhões/70 = 300.000.

Passo 2: Apura-se o total de votos recebidos por cada coligação (ou partido que não participa de coligação). Isso é feito somando-se os votos de todos os candidatos daquela coligação/partido mais os votos dados às legendas dos partidos que formam a coligação. Imaginemos que a coligação XPTO tenha tido, em São Paulo, 3 milhões de votos. E que o partido XYZ, que não se coligou, tenha tido 1,5 milhão de votos. Guarde esses números para o próximo passo.

Passo 3: Divide-se o total de votos atribuídos a cada coligação/partido encontrado no passo 2 pelo quociente eleitoral encontrado no passo 1. Chega-se, então, ao número de vagas a que cada coligação/partido terá direito. No nosso caso, a coligação XPTO tem direito a 10 vagas (3 milhões / 300.0000). O partido XYZ, a 5 vagas (1,5 milhão / 300 mil). Os eleitos são os 10 primeiros colocados na lista da coligação XPTO e os cinco mais votados na lista do partido XYZ.

No DISTRITÃO não existe o voto em legenda. O eleitor vota no candidato. São eleitos os mais votados no estado, até o limite de cadeiras a que o estado tem direito.

A simplicidade do segundo modelo é evidente – e isso por si só é um ponto a favor do distritão. Quanto menos o eleitor entende as regras do sistema, mas alijado da política e menos participativo ele será.

Mas a simplicidade por si só não basta. Tentemos então enxergar com exemplos o que teria acontecido nas eleições de 2014 se o distritão estivesse em vigor em quatro estados:

BAHIA

Dos 39 deputados eleitos pelo estado pelo sistema proporcional, 38 seriam eleitos também no distritão.
A única diferença seria uma troca de posição entre o deputado Uldurico Alencar Pinto (PTC), que se elegeu com 39,9 mil votos e o deputado Fernando Dantas Torres (PSD), que mesmo com 66 mil votos ficou de fora.

RIO DE JANEIRO

Dos 46 deputados do estado, 43 se elegeriam nos dois sistemas, proporcional e distritão. Os três parlamentares que perderiam suas cadeiras com o novo modelo seriam Ezequiel Teixeira (SD), Luiz Carlos Ramos (PSDC) e Alexandre Valle (PRP). Em suas vagas entrariam Marcos da Rocha Mendes (PMDB), Walney Carvalho (PTB) e Wadih Damous (PT).

MINAS GERAIS

Dos 53 deputados do estado, 48 manteriam suas vagas nos dois sistemas. Entre os cinco deputados que perderiam suas cadeiras com o distritão, estão o delegado Edson Moreira, (aquele que conduziu o inquérito do goleiro Bruno) e Brunielle Silva, que ficou conhecida como a deputada funkeira.

**** Se você me acompanhou até aqui, deve estar chegando a uma conclusão parcial: a diferença entre os dois sistemas é muito pequena. Nos três estados acima, as vagas afetadas nunca passam de 10%. Qualitativamente, também não há diferença. Aquela conversa de que gente comum e candidatos das minorias seriam prejudicados não se confirma quando comparamos quem sai e quem fica. Quase sempre a troca se dá entre políticos manjados de um lado por políticos manjados de outro.

Mas vamos agora a um estado onde realmente há uma diferença significativa no resultado.

SÃO PAULO

Antes dos resultados, tenha em mente essa informação: São Paulo teve dois super campeões de votos que fogem completamente ao padrão de votação de outros estados: Celso Russomano (PRB), com 1,5 milhão de votos e Tiririca (PR) com 1 milhão. Há um abismo entre esses dois e o terceiro colocado, pastor Marco Feliciano, com 400 mil votos.

Em São Paulo, oito vagas mudariam de dono se o distritão estivesse em vigor em 2014. Dois deputados eleitos pela força da legenda PV perderiam suas vagas: Roberto Lucena e Sinval Malheiros.

Também teriam perdido suas vagas o deputado-cantor Sérgio Reis, o ex-primeiro secretário da Câmara, Beto Mansur, e políticos de expressão apenas regional como José Augusto Rosa, Marcelo Squassoni, Miguel Lombardi e Fausto Pinato. Os seis deputados desse parágrafo se elegeram graças aos votos dados a Celso Russomano e Tiririca. Salvo melhor juízo, nenhum deles fez uma campanha ideológica e baseada em programas partidários.

Seriam beneficiados pelo distritão políticos como Marco Aurélio Ubiali (PSB), Luiz Carlos Mota (PTB) e o pagodeiro Netinho (PC do B).

Mais uma vez, não se confirma a teoria de que políticos mais conhecidos ou tradicionais seriam beneficiados pelo distritão. Em São Paulo, teríamos uma troca de posições entre dois cantores, Sérgio Reis e Netinho. Mas não há diferenças na qualidade das bancadas eleitas pelos dois métodos. Mesmo os dois deputados eleitos pelo PV não são historicamente identificados com causas ambientais e um deles, Sinval Malheiros, já deixou o partido e foi para o Podemos.

MINHAS CONCLUSÕES:

• O distritão e o sistema proporcional produzem resultados parecidos em termos eleitorais, mas o primeiro acaba com o grave problema de caciques partidários que assediam figuras midiáticas para que se tornem puxadores de legenda.

• O distritão é de mais fácil compreensão pelo público. Não é preciso contorcionismo verbal para explicar ao eleitor do professor Antonio Carlos Mendes Thame (SP) porque seu candidato ficou com uma suplência, mesmo alcançando 106 mil votos, enquanto o deputado Fausto Pinato foi eleito com 22 mil votos.

• Não está demonstrado que políticos de perfil mais ideológico e programático sejam prejudicados, conforme a grita de partidos como PSOL e Rede. O PSOL, aliás, se esquece de que a força de seus puxadores de votos, como Chico Alencar e Jean Willys, serviu para eleger o Cabo Daciolo.

• O argumento de que os atuais deputados tenderiam a ser reeleitos apenas pelo efeito recall ignora o surgimento de partidos como o Novo e o Livres que provavelmente serão beneficiados pelas redes sociais e pela demanda do eleitor por nomes novos.

• O distritão tem seus defeitos mas é melhor que o sistema proporcional. Modelos considerados mais avançados, como o voto distrital misto, também têm falhas, como a paroquialização da atividade parlamentar. Deputados seriam incentivados a obter emendas e recursos para obras locais – e por isso seriam cobrados nas eleições, enquanto os grandes temas da agenda nacional ficariam em segundo plano.

• Por mais relevante que seja, o sistema de votos por si só não explica a crise de representatividade do parlamento brasileiro. Há problemas muito mais graves, como a super-representação de estados da Região Norte e a sub-representação de São Paulo, heranças do Pacote de Abril. Há as legendas de aluguel que vivem exclusivamente da exploração de recursos do fundo partidário. Há o excesso de fragmentação de partidos, pela falta de uma cláusula de barreira eficiente. Há a percepção por potenciais bons representantes da sociedade de que a política é uma atividade de velhacos e corruptos. E há, por fim, o descolamento entre os desejos do povo e a agenda da classe política, pautada quase que exclusivamente pela obtenção de vantagens e manutenção de privilégios.

P.S.: Se alguém se animar a continuar com o exercício para outros estados, basta ir ao site do TSE (link nos comentários). É possível exportar a planilha de eleitos em Excel. A partir daí, basta ordenar a lista de deputados de cada estado pelo número de votos para se chegar aos nomes de quem teria sido eleito pelo Distritão.”

Texto original no Facebook do Erick Bretas

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