Avesso a regras e transparência, a Uber tende à fraude e está condenada a falência
Quem me acompanha conhece minhas críticas às empresas de transportes por aplicativo, em especial a Uber, gigante da tecnologia que representa o que há de pior nesse modelo de negócio. Recentemente, fui questionado por um veículo de imprensa sobre a razão de ter recusado doação de R$ 400 mil em vouchers da empresa para “ajudar” na vacinação dos cariocas. Disse e repito: o Rio não quer esmola. Se a Uber quer contribuir com os cariocas, que tal começar a pagar tributos pelo uso das ruas da cidade?
Vamos olhar para a empresa exatamente pelo que ela é, sem o véu da suposta responsabilidade social? O jornalista canadense Cory Doctorow publicou um texto bastante didático (que eu disponibilizo traduzido abaixo) sobre artimanhas da Uber para esconder que está prestes a falir e seguir atraindo investidores. Cory mostra, citando outros autores, como a empresa vem perdendo dinheiro – bilhões e bilhões de dólares – vendendo promessas de produtos que nunca serão rentáveis. Ele usa como exemplo a fantasia dos carros autônomos e o serviço de delivery que só deram prejuízo.
Mas a Uber declara que teve lucro. Como? Segundo Doctorow, como qualquer bom fraudador, a empresa mente. O jornalista mostra que a empresa perdeu 7,9 bilhões de dólares entre 2019 e 2021. Mas seus truques financeiros envolvem gambiarras de contabilidade como considerar lucro sem despesas como juros, impostos, depreciação e amortização – só com isso, Doctorow aponta que a empresa ignorou, no último balanço financeiro, despesas de 2 bilhões de dólares.
A realidade é que a Uber vai acabar. A limpeza da sujeira que ela vai deixar durante o processo caberá à sociedade. A Uber congestiona as cidades, submete seus motoristas a uma série de riscos, atrapalha a vida dos pedestres e dos ciclistas. Aqui na cidade do Rio, estamos batalhando para regular esse transporte.
Um decreto da Prefeitura criou uma taxa de 1,5% sobre o faturamento para que a empresa ofereça algum tipo de compensação pela circulação dos seus quase 90 mil carros nas ruas cariocas. A medida foi parar na Justiça. À propósito, vale lembrar que o município do Rio só teve acesso ao número de carros que circulam na cidade por força da Justiça, já que a empresa se recusa a ser transparente.
Uma simples análise dessas informações fornecidas pela primeira vez mostrou que a Uber é quem mais coloca as pessoas em risco no trânsito. A chance de um passageiro vivenciar uma infração de trânsito dentro de um veículo da Uber é o dobro do que em táxis, 50% maior que em ônibus e 20% mais alta que em vans. E mais, os veículos da empresa cometeram cinco vezes mais infrações por transitarem em velocidade 50% acima da permitida do que os outros três modais juntos. Isso sem mencionar conversões proibidas, avanços de sinal e paradas em faixas de pedestres.
Infelizmente, quando o assunto é responsabilidade no trânsito, a empresa se faz de morta. E com a suspensão do decreto, ela, sozinha, deixa de recolher R$ 12 milhões ao ano para os cofres municipais, dinheiro que poderia ser empregado na melhoria das vias por onde seus carros circulam. A Uber pode contar as histórias fantasiosas que quiser, mas a verdade está aí. A empresa perde dinheiro, bilhões de dólares, congestiona cidades, sufoca motoristas, desrespeita ciclistas, oferece risco a pedestres e faz malabarismos financeiros para fingir que não está indo para o buraco.
“Fim da Linha para a Uber
Tradução livre do texto original ‘End of the line for Uber’, de Cory Doctorow, publicado aqui.
A Uber é um “bezzle” (o mágico intervalo quando um enganador confiante sabe que ele tem o dinheiro que ele se apropriou, mas a vítima ainda não entende que ela perdeu). Toda fraude termina.
E o tempo da Uber chegou.
A Uber nunca iria ser rentável. Nunca. Ela atraiu motoristas e passageiros dentro de seus carros ao subsidiar viagens com bilhões e bilhões de dólares da Família Real Saudita, mantendo o sempre mutante tagarelar de um golpista sobre como isso, um dia, iria caminhar nos próprios pés.
Assim como a pretensão de que carros autônomos iriam eliminar todos os custos trabalhistas da empresa. Eles sabiam que isso nunca iria acontecer. Eles gastaram bilhões em um esforço condenado desde o início, então tiveram que subornar outra empresa com um “investimento” de US$ 400 milhões para levar esse enfeite embora.
A Uber não precisava de carros autônomos – ela precisa que nós pensemos que ela teria essa tecnologia. Dessa maneira, os donos Sauditas da companhia poderiam levantar capital de investimento a partir de subsequentes “investidores” (ou “otários”) todo o caminho até o IPO, sacar o dinheiro e ir embora, assobiando inocentemente.
Essa é a fraude em andamento – uma operação deslumbrante que mantém o fluxo de dinheiro entrando, convencendo as pessoas que uma pilha de merda desse tamanho deve ter um prêmio abaixo dela. Mas enquanto os anos passam, as histórias que a Uber nos contou sobre o seu caminho para a lucratividade se tornaram mais e mais fantasiosas.
Tome a história de que a Uber poderia ser um substituto para o transporte público. Carros privados não podem ser substitutos para ônibus, VLTs e metrôs. É só olhar para a porra da geometria. O número de carros x a área ocupada pelos carros x distâncias maiores criadas por estradas = infinito.
A Uber aumenta o congestionamento de vias.
https://www.wired.com/story/uber-lyft-san-francisco-traffic-report/
A Uber também fez as cidades mais hostis às bicicletas, por transformar ciclovias em pontos de embarque e desembarque de passageiros. Sem problemas – ciclistas podem simplesmente pegar um Uber!
Quando a Uber ficou sem contos de fadas sobre seus saltos quânticos eminentes em inteligência artificial e a sua capacidade mágica de desafiar as leis de geometria e diminuir o trânsito por aumentar o número de carros nas ruas, ela criou uma empresa de delivery de comida… Que perdeu bilhões.
https://pluralistic.net/2020/05/18/code-is-speech/#schadenpizza
Essa miragem foi um roubo de iguais proporções. Não somente ela roubou dinheiro de investidores crédulos – ela também vitimizou trabalhadores, ciclistas, cidades e restaurantes. Até porque, se ninguém dirigisse, utilizasse ou comesse de um Uber, investidores poderiam ser mais espertos sobre esse iminente desastre financeiro.
Alguns dias depois da entrada da Uber na bolsa, eles aumentaram os preços dos passageiros e diminuíram os salários dos motoristas (eles que já estavam perdendo dinheiro a este ponto, mas a Uber confiou em sua falta de familiaridade com cálculos de depreciação de capital para esconder isso).
https://www.theguardian.com/technology/2019/apr/18/uber-lyft-drivers-surge-pricing-wages
As cidades, enquanto isso, experimentaram uma década perdida do ativismo de trânsito. É verdade que a Uber teve vantagens, como trazer o transporte para comunidades de pessoas de cor – mas porque a Uber sempre esteve condenada, então isso foi uma miragem temporária que iria abandonar essas comunidades mais uma vez.
Em outras palavras, a Uber não estava em serviço para um transporte urbano mais eficiente e sustentável – era uma distração que tornou mais difícil de executar coisas que realmente funcionam, como faixas de ônibus dedicadas.
Remover pistas de veículos particulares é uma luta difícil em circunstâncias tradicionais, mas quando a Uber trava regiões inteiras ao lançar veículos nas ruas, isso se torna politicamente impossível.
Enquanto isso, a Uber se tornou predadora de restaurantes, utilizando ferramentas de SEO para enganar pessoas em pensarem que eles estão fazendo o pedido destes restaurantes diretamente, de forma não consensual obrigando estas empresas a fazerem parte do seu serviço de delivery, subsidiando refeições para definir preços ainda mais baixos.
Uma vez que a Uber desviou os clientes dos restaurantes a confiar nos seus serviços, ela apertou os parafusos das empresas, forçando-os a pagar “taxas de marketing” sob pena de ter suas pesquisas desviadas para cozinhas fantasmas afiliadas ao Uber.
Centenas de restaurantes locais não vão sobreviver à pandemia graças a essa conduta parasita e a Uber não tem nada para colocar no seu lugar, porque a Uber é uma fraude, está sem dinheiro e prestes a morrer.
E, claro, a Uber ajudou a levantar mais de US$ 200 milhões para passar a Proposta Eleitoral 22 da Califórnia, que formalizou a classificação errada de trabalhadores, permitindo que as empresas demitam trabalhadores sindicalizados e depois recontratá-los como “contratados independentes” e tirar o seu salário, benefícios e direitos.
https://horanaviation.com/publications-uber
Existe apenas o trabalho de uma pessoa que você precisa ler para entender a Uber: Hubert Horan, um analista de transporte sênior que vem dissecando as reivindicações públicas, demonstrações financeiras e batalhas regulatórias do Uber desde 2016.
Horan tem o pacote completo – ele não está aqui somente para falar sobre os problemas lógicos e logísticos com o modelo de “negócios” da Uber, ele também é fidedigno ao analisar as demonstrações financeiras do Uber, que honestamente são o que há de mais inovador na empresa.
A Uber perde muito dinheiro. Muito dinheiro. Bilhões. Mas eles alegam que estão fazendo dinheiro. Como fazem isso?
Eles mentem.
O Uber evita os velhos e enfadonhos princípios contábeis geralmente aceitos (GAAP) e inventa novas formas fantasiosas de matemática em que perder dinheiro, na verdade, é bom.
A cada trimestre, a Uber libera novas mentiras apresentadas como um demonstrativo de lucros e perdas e, a cada trimestre, Horan nos mostra que ela está perdendo dinheiro. Aqui está ela com o prejuízo de US$ 6,8 bilhões (com um B!) no último verão, prevendo que a companhia quebraria em meados de 2021.
https://pluralistic.net/2020/08/10/folksy-monopolists/#bezzled
Chegamos ao meio de 2021. A Uber está falindo.
Ontem, Horan publicou a sua vigésima sexta análise da Uber, detalhando seus dados financeiros do segundo quadrimestre de 2021. Está sendo um ano daqueles.
A Uber desistiu (ou foi expulsa) da China, Rússia, Índia e do Sudeste Asiático, transferindo suas divisões locais para startups locais que só têm prejuízo, que seguem a prática do Uber de fazer avaliações ridículas para seus negócios condenados.
Isso dá à Uber um grande truque financeiro: eles podem colocar as avaliações inflacionadas desses fake-Ubers regionais em seu balanço patrimonial para fazer parecer que a empresa está sentada em uma montanha de dinheiro que a deixará continuar com seus prejuízos por anos.
Mas a Uber está praticamente quebrada. Uma contabilidade verdadeira do último quadrimestre tem a Uber perdendo 38 centavos em cada dólar que ela ganhou. US$ 3,7 bilhões dos seus ativos são, na verdade, papéis inúteis de empresas estrangeiras de viagem à falência.
As reservas de caixa da Uber diminuíram em US $4,7 bilhões em 2020 e mais US$ 937 milhões na primeira metade de 2021. Eles têm US$ 6,7 bilhões no banco, abaixo dos US$ 14,6 bilhões que tinham em 2019. Para aumentar a aparência de haver um tesouro embaixo dessa merda, a Uber inventou um novo tipo de contabilidade: “Rentabilidade do EBITDA ajustada.”
EBITDA é uma sigla em inglês que significa “earnings before interest, taxes, depreciation, and amortization” (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização).
“Rentabilidade do EBITDA ajustada” é burrice.
A Uber ignorou US$ 2 bilhões em despesas, declarando sua divisão de carona compartilhada como “lucrativa” (se você já leu histórias “O Uber dá lucro!”, é isso que está acontecendo lá).
A pandemia destruiu a demanda por carona compartilhada e também fez muitos motoristas reconsiderarem se esse tipo de viagem vale o risco de vida. A Uber planeja gastar US$ 250 milhões em bônus para atrair motoristas de volta – mas não consegue explicar porque esses motoristas vão ficar quando os bônus acabarem.
Eu vivo em Burbank, onde Ubers nunca estão a mais de 5 minutos de distância. Agora, uma espera de 30 minutos é comum – e a tarifa é comparável à da empresa de táxi licenciada, que está literalmente a um app de distância de alcançar a paridade de recursos com o Uber.
Tudo isso é exatamente o que qualquer um com um fragmento de raciocínio crítico teria previsto desde os primeiros dias do Uber, mas a empresa conseguiu criar um campo de distorção da realidade surpreendentemente durável que manteve os investimentos fluindo.
Para entender como essa máquina de narrativas funciona, precisamos nos virar para o vigésimo sétimo relatório da Uber do Horan, “Apesar das perdas surpreendentes, o trem de propaganda Uber continua funcionando”.
O artigo de 4.300 palavras foca nas diversas maneiras que Khosrowshahi é um chefe melhor que o CEO fundador da Uber, Travis Kalanick – um babaca que criou uma cultura de desonestidade, assédio físico e sexual e de criminalidade.
É verdade! Khosrowshahi é um ser humano melhor que Kalanick (que, para ser claro, é uma das piores pessoas vivas atualmente). Mas Khosrowshahi ainda está presidindo uma companhia que nunca, jamais será rentável e que está destruindo cidades, restaurantes e as vidas de motoristas.
Mas o problema com a Uber não é somente que é um golpe criminoso e abusivo – o outro problema com a Uber é que ela está condenada e somente existe hoje por conta de uma fraude na sua contabilidade. Khosrowshahi não consertou essa parte. Ele não vai consertar essa parte.
Estilos de vida glamurosos não são a única arma no arsenal de propaganda do Uber. Ela pratica uma rotina de patrocinar trabalhos acadêmicos duvidosos para dar uma camada de verniz de sustentabilidade à empresa, em seguida, exagerando as conclusões já caridosas dos estudos para uma imprensa crédula.
Pegue o artigo “Como a Uber e a Lyft Podem Salvar Vidas” do Washington Street Journal, que regurgita as reivindicações sem sentido da Uber sobre estar prevenindo que motoristas bebam sob influência, usando uma metodologia risível para tomar crédito por uma redução de 6,1% em fatalidades relacionadas ao álcool.
Para ser claro, isso não é nem mesmo o que afirma o estudo financiado pelo Uber e não revisado por pares – foi retirado do comunicado de imprensa do Uber, como é a frase de abertura do artigo, “O valor dos aplicativos de compartilhamento de carona foi comprovado no mercado”.
É engraçado ler em um jornal de negócios sobre uma empresa que está perdendo 38 centavos por dólar. Quer dizer, eu amo bens públicos que não têm mercado – saúde, educação, trânsito – tanto quanto o próximo comércio, mas estes não são “comprovados no mercado”.
Eles são serviços públicos e são somente sustentados por subsídios públicos – empresas privadas não podem performar dessa maneira.
A Uber não é um serviço público e a única maneira de se tornar um é sendo grande demais para falir e receber resgates massivos.
Mesmo como serviço público, a Uber está condenada. A empresa não pode ganhar dinheiro nem por roubar trabalhadores e donos de restaurantes, nem por fingir que adicionar carros resolverá os congestionamentos. O Uber é uma ameaça e, embora seu destino seja claro, ele não está indo silenciosamente.
A empresa comprometeu outros US$ 100 milhões para uma iniciativa de votação no estilo da Proposta Eleitoral 22, mas agora em Massachusetts, que formaliza a classificação incorreta dos trabalhadores, proibirá a sindicalização e destruirá as vidas dos trabalhadores. Quanto antes o Uber morrer, melhor.