ANÁLISE ECONÔMICO-FINANCEIRA DE DEZENOVE CLUBES DO FUTEBOL BRASILEIRO

Adriano da Nobrega Silva Consultor Legislativo da Área IV Finanças Públicas

Antonio Marcos Silva Santos Consultor Legislativo da Área III Direito Tributário / Tributação

ESTUDO TÉCNICO SETEMBRO DE 2019

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Excelentíssimo Senhor Deputado Federal Pedro Paulo solicitou um panorama econômico-financeiro dos clubes de futebol brasileiros. A fim de se promover a análise solicitada, foram utilizados os demonstrativos contábeis dos seguintes clubes: Atlético-MG, Atlético-PR, Bahia, Botafogo, Chapecoense, Corinthians, Coritiba, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Goiás, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos, São Paulo, Sport, Vasco da Gama e Vitória. A seleção levou em conta o fato de que esses 19 clubes foram objeto de análise tanto no relatório “Finanças dos clubes brasileiros em 2018” de autoria da Sports Value, quanto no relatório “Análise Econômico-Financeira dos Clubes de Futebol em 2018” de autoria do Itaú BBA1 .

PANORAMA ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CLUBES DE FUTEBOL

O segmento econômico relacionado ao futebol levando em conta os 19 clubes analisados gerou no Brasil no ano de 2018 cerca de 5 bilhões de reais (Figura 1), com grande concentração dos clubes localizados no Rio de Janeiro e em São Paulo (Figura 2). Esse resultado, por si só, indica que o mercado do futebol se mostra promissor no país.

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Quando são analisados os resultados do ano, contudo, o cenário mostra-se bem mais modesto. O superávit líquido dos 19 clubes em conjunto é de apenas 32 milhões de reais, o que representa pouco mais de 0,66% de rentabilidade (resultado / receita líquida). Dos dezenove clubes analisados, onze apresentaram déficit no ano de 2018. Considerando-se a rentabilidade apenas dos clubes restantes, ela oscilou entre 2% (São Paulo) e 26% (Vasco da Gama), apresentando-se, em média, no patamar de 11% (Figura 4). Um aspecto que deve ser considerado ao se promover a análise da rentabilidade é o de que, em sua maioria, os clubes de futebol brasileiros adotam a forma de associações e a legislação tributária exige como requisito para gozo de isenção fiscal que as mesmas não apresentem superávit ou, caso o apresentem, que o mesmo seja aplicado na manutenção dos objetos institucionais. Assim, poder-se-ia considerar que os resultados negativos da maioria dos clubes em 2018 foram devidos à realização de investimentos pelos clubes nesse ano.

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A fim de verificar essa possibilidade, apurou-se o montante do patrimônio líquido dos clubes de futebol e constatou-se que onze dos dezenove clubes apresentam passivo a descoberto (patrimônio líquido negativo) o que indica que os próprios aportes de recursos feitos pelos associados para a composição do patrimônio dos clubes estão sendo comprometidos (Figura 5).

Entre os componentes dos custos dos clubes de futebol, os gastos com pessoal variam entre 29% (vinte e nove por cento) e 75% (setenta e cinco por cento), apresentando um patamar médio correspondente a 50% (cinquenta por cento) das receitas líquidas (Figura 6). Um indicador que tem sido utilizado para se estimar a capacidade que os clubes têm para quitar suas dívidas é fazer novos investimentos é o LAJIDA – Lucro Antes dos Juros, Impostos sobre Renda incluindo Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, Depreciação e Amortização ou, em inglês, EBITDA (Earnings before interest, taxes, depreciation and amortization). Nos termos da Instrução Normativa CVM nº 527, de 4 de outubro de 2012, o LAJIDA é resultado líquido do período, acrescido dos tributos sobre o lucro, das despesas financeiras líquidas das receitas financeiras e das depreciações, amortizações e exaustões e dele não se pode excluir quaisquer itens não recorrentes, não operacionais ou de operações descontinuadas. Na análise que promoveu dos clubes de futebol, o Itaú BBA utilizou a expressão “geração de caixa” como equivalente ao Lajida (Itaú BBA, 2018). Embora o conceito diga respeito, por se basear no resultado contábil ajustado, ao fluxo econômico e não ao fluxo financeiro, fez-se uso no presente estudo da mesma expressão utilizada no estudo citado.

A capacidade de geração de caixa dos clubes foi bastante assimétrica no ano objeto da análise2 . O Palmeiras possui a capacidade de gerar 172 milhões de reais por ano ao passo que o Santos e o Chapecoense não geram um único real. A geração de caixa média foi de 50 milhões de reais por ano em 2018 (Figura 7). Dividindo-se o montante da dívida pela geração de caixa no ano, tem-se o número de anos necessário para a quitação dos débitos. Três clubes apresentam-se totalmente fora da curva de análise. O Santos e o Chapecoense apresentaram geração de caixa negativa, o que significa dizer que jamais conseguirão pagar seus passivos, enquanto o Cruzeiro necessitará de mais de duzentos anos. Os demais clubes necessitam, em média dez anos para honrar seus compromissos (Figura 8).

2Utilizou-se como indicativo da capacidade de geração de caixa o Lucro Antes dos Juros, Impostos sobre Renda incluindo Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, Depreciação e Amortização – LAJIDA (em inglês EBITDA) conforme Instrução Normativa CVM nº 527, de 2012.

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Um aspecto negativo da adoção do modelo associativo pela maioria dos clubes de futebol diz respeito ao fato de que os recursos disponíveis para o financiamento das atividades têm origens bastante restritas, sendo provenientes ou dos associados, que já convivem com um cenário de passivo a descoberto, ou do Sistema Financeiro, que cobra uma remuneração maior pelos empréstimos ou financiamentos nessas situações. Dos dezenove clubes, dezesseis possuem despesas financeiras maiores que as receitas financeiras, chegando a comprometer, em média, sete por cento da receita líquida a esse título (Figura 9).

Nesse cenário de escassez de recursos, os clubes de futebol têm recorrido à prática de escolher quais os credores que serão pagos e, em geral, as dívidas com o Fisco não são pagas. O montante dos débitos tributários (R$ 2,5 bilhões) em relação aos demais débitos (R$ 7 bilhões) varia de 2% (Chapecoense) a 86% (Flamengo), sendo, em média, de 36% (Figura 10). Analisando-se mais detidamente o caso do Flamengo, uma vez que este apresenta o maior montante de débitos fiscais, nota-se que a grande maioria dessas dívidas é de longo prazo e seu patamar não tem se reduzido ao longo dos anos, o que denota que a prática governamental da concessão de sucessivos parcelamentos especiais tem sido infrutífera (Figura 11). A redução no patamar da dívida do clube verificado deu-se pela redução de multas e juros para a inclusão de débitos antigos no parcelamento especial da Lei nº 13.155/2015.

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Para efeito de comparação, conforme recente matéria veiculada no sítio da Forbes na Internet, dos vinte clubes de futebol com maior valor no mundo, a dívida média equivale a apenas nove por cento do valor corrente, apenas dois deles apresentam rentabilidade negativa e a rentabilidade média gira em torno de quinze por cento (Tabela 1).

 Considerando que a rentabilidade média dos clubes brasileiros que têm sido bem-sucedidos (Figura 4) não se encontra tão distante daquela verificada no plano internacional (Tabela 1) e que a dívida total dos clubes brasileiros de cerca de sete bilhões de reais cai para menos de dois bilhões de dólares em virtude da cotação do dólar, pode-se concluir que há espaço para investidores estrangeiros trazerem seus recursos para o futebol brasileiro.

Outro aspecto a considerar é o de que caso venham a adotar, exemplificativamente, o modelo de sociedade anônima, os clubes de futebol, além de recorrem aos recursos dos acionistas, poderiam emitir debêntures e assim obter recursos a um custo mais acessível que o cobrado no Sistema Financeiro, o que contribuiria para o aumento de sua rentabilidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da análise das demonstrações financeiras dos 19 clubes de futebol objeto do presente estudo, apresentam-se as seguintes observações:

  1. apesar de apresentarem, em geral, elevadas receitas, a rentabilidade da maioria dos clubes é baixa ou negativa;

  2. os gastos com pessoal são um dos mais importantes componentes de custo dos clubes de futebol, sendo responsáveis pelo dispêndio de metade da receita líquida.

  3. com o caixa gerado no ano de 2018 os clubes necessitariam, em média, de 10 anos para quitar suas dívidas, exceção feita a três clubes que necessitariam, no mínimo, de duzentos anos para realizar o pagamento.

  4. déficits sucessivos têm feito com que muitos clubes apresentem passivo a descoberto;

  5. sem prejuízo do exposto nos itens anteriores, a rentabilidade média dos clubes que apresentam superávit se mostra compatível com a verificada internacionalmente, o que pode atrair investidores estrangeiros;

  6. e o volume de dívidas (tributárias e não-tributárias), apesar de elevado, pode atrair, dada a rentabilidade dos clubes bem-sucedidos e a cotação do dólar, o interesse de investidores estrangeiros.

 

Todos os gráficos, com exceção da Tabela 1 foram elaborados pelos autores. Fonte: Demonstrações financeiras dos 19 clubes relativas a 2018. 

 Leia o documento na íntegra:

Estudo Futebol 2019

 

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO CHAPECOENSE DE FUTEBOL. Demonstrações Financeiras da Controladora e Consolidado em conjunto com as notas explicativas findas em 31/12/2018 e 31/12/2018. Disponível em: https://chapecoense.com/images/uploads/noticias/relatorio_01.pdf Acesso em 30 set 2019.

 BOTAFOGO DE FUTEBOL E REGATAS. Relatório do auditor Independente; Demonstração contábil em 31 de dezembro de 2018 e 2017. Disponível em: http://www.botafogo.com.br/transparencia/2018_individual_BRF.pdf Acesso em 30 set 2019.

CORITIBA FOOT BALL CLUB. Demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2018 e 2017. Disponível em: https://portal.coritiba.com.br/Content/Arquivos/pdfs/balanco_2018.pdf Acesso em 30 set 2019.

CLUB ATHLETICO PARANAENSE. Demonstrações Contábeis relativas aos exercícios sociais encerrados em 31 de dezembro de 2017 e 2018. Disponível em: https://static.athletico.com.br/wpcontent/uploads/2019/04/29182547/BalancoAthletico2018.pdf?_ga=2.13138471 9.1042432005.1568912315-1639925805.1568912315 Acesso em 30 set 2019.

CLUB DE REGATAS VASCO DA GAMA. Demonstrações Financeiras em 31 de dezembro de 2018 e relatório dos auditores independentes. Disponível em: https://static.vasco.com.br/upload/downloads/20190430225333_981506.pdf Acesso em 30 set 2019.

CLUBE ATLÉTICO MINEIRO. Demonstrações contábeis em 31 de dezembro de 2018 e 2017. Disponível em: http://jornal.iof.mg.gov.br/xmlui/handle/123456789/218609?paginaCorrente=01 &posicaoPagCorrente=218594&linkBase=http%3A%2F%2Fjornal.iof.mg.gov.br %3A80%2Fxmlui%2Fhandle%2F123456789%2F&totalPaginas=42&paginaDest ino=16&indice=0 Acesso em 30 set 2019.

CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO. Demonstrações Financeiras em 31 de dezembro de 2018 e relatório dos auditores independentes. Disponível em: https://www.flamengo.com.br/transparencia/demonstracoes-financeiras Acesso em 30 set 2019.

CRUZEIRO ESPORTE CLUBE. Demonstrações Financeiras em 31 de dezembro de 2018 e relatório dos auditores independentes. Disponível em: https://cms.cruzeiro.com.br/ckfinder/userfiles/files/Balanco2017-2018.pdf Acesso em 30 set 2019.

ESPORTE CLUBE BAHIA. Demonstrações contábeis em 31 de dezembro de 2018. Disponível em: https://www.esporteclubebahia.com.br/wpcontent/uploads/2019/03/ECB-RELAT%C3%93RIO-ADC-2018-Registro-BDO1213-19-PARECER-e-DCs.pdf Acesso em 30 set 2019.

 ESPORTE CLUBE VITÓRIA. Relatório do Auditor Independente; Demonstrações contábeis em 31 de dezembro de 2018. Disponível em: http://www.ecvitoria.com.br/wpcontent/uploads/2019/04/789060134_cca489b46a82803149745fc893e20ef7.pdf Acesso em 30 set 2019.

FLUMINENSE FOOTBALL CLUB. Demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2018. Disponível em: https://s3.amazonaws.com/assetsfluminense/finances/45/Fluminense_DFs_2018_original.pdf?1556648469 Acesso em 30 set 2019.

GOIÁS ESPORTE CLUBE. Demonstrações contábeis em 31 de dezembro de 2018 e 2017. Disponível em: http://www.goiasec.com.br/wp-content/uploads/2019/04/GECDemonstra%C3%A7%C3%B5es-Cont%C3%A1beis-2018-Sites.pdf Acesso em 30 set 2019.

GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE. Demonstrações contábeis para os exercícios findos em 31 de dezembro de 2018 e 2017. Disponível em: Disponível em: https://gremio.net/governanca/documentos/DF-Gremio-FBPA-2019-v5.pdf Acesso em 30 set 2019.

ITAÚ BBA. Análise Econômico-Financeira dos Clubes de Futebol Brasileiros / 2018. Disponível em: https://www.itau.com.br/_arquivosestaticos/itauBBA/Analise_Clubes_Brasileiros _Futebol_Itau_BBA.pdf Acesso em 27 set 2019.

OZANIAN, Mike. The World’s Most Valuable Soccer Teams 2019: Real Madrid Is Back On Top, At $4.24 Billion. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/mikeozanian/2019/05/29/the-worlds-mostvaluable-soccer-teams-2019/#3066ed6b40d6 Acesso em 30 set 2019.

SANTOS FUTEBOL CLUBE. Demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2018 e 2017 acompanhadas do Relatório do Auditor Independente. Disponível em: https://www.santosfc.com.br/portal-transparencia/wpcontent/uploads/DF%C2%B4S-2018-ASSINADAS-EM-20032019.pdf Acesso em 30 set 2019.

SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE. Demonstrações financeiras 2018. Disponível em: http://www.spfcpedia.com.br/documentos/1402169_BALAN%C3%87OSPFC_2 018_1.pdf Acesso em 30 set 2019.

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